Francisco Albano Boscatto

"Há duas coisas infinitas: o Universo e a tolice dos homens."

Textos


MINHA VIAGEM PELOS SONHOS

Naquela noite fria e chuvosa do inverno de 1950, procurei abrigo em meu quarto para tentar aquecer meu corpo já debilitado pela idade e mal poderia imaginar que ao dormir iria deparar-me com algo muito estranho que iria mudar para sempre minha vida. Hesitei em recolher-me pois alguma coisa me dizia que algo muito sério iria acontecer. Mas com o passar das horas meu corpo cansado adormeceu.

Recordo que o pequeno relógio de parede marcava precisamente 1h25min. Minha primeira hora de sono foi tranqüila, mas, de repente, algumas imagens passaram pelos meus olhos. Não me impressionei, mas algo muito estranho começava a transformar a minha vida, um facho de luz
penetrou em meus olhos e as imagens se tornaram realidade.

Deparei-me com algo que nunca havia imaginado existir: o sonho tornando-se realidade da minha vida em meu próprio sono.

Haviam pessoas estranhas a mim, que acenando indicavam um longo caminho a ser percorrido, existei, mas aceitei o convite. Senti que meu corpo permanecia inerte no leito e meu espírito elevou-se e, observando do alto, notei que o mesmo parecia sem vida. Fui impelido por uma força muito forte para bem longe daquele lugar onde me encontrava, passei por diversos lugares que não me eram familiares até chegar a um grande prédio. Subi uma longa escadaria até chegar a grande porta de bronze totalmente polida e com uma enorme maçaneta folhada a ouro. Forcei e, com grande esforço, consegui abri-la. E qual foi a minha surpresa? No outro lado da mesma encontrei-me com pessoas bem vestidas e demostravam grande felicidade expressa em seus semblantes. Mas, algumas pessoas ainda não podiam usufruir tal felicidade, pois havia algo a ser resgatado em suas futuras reencarnações.

Olho e vejo espíritos sendo apaziguados e outros totalmente revoltados com a perda de seus corpos deixados em sua passagem pelo mundo terreno. Dentro delas observo o meu espírito sofrendo, fui ao encontro de uma delas e perguntei o por quê daquele sofrimento. Este respondeu-me com grande mágoa que havia deixado para trás grandes lacunas que agora teria de resgatá-las. Cite alguns, perguntei. Quando ainda com vida deixaste que teu irmão sofresse grandes privações? Quais, respondi ? Pois pelo que me recordo sempre o ajudei em suas necessidades. Ajudaste com objetos do prazer, mas deixaste para trás o verdadeiro objeto, o amor. Destes luxúria e não destes o grande objeto tão desejado pelos homens, o carinho, o afeto, o conforto e a moral.

Mais adiante deparo-me com outro espírito que também era meu, estava sem suas pernas e mal conseguia mover-se e perguntou-me: Por que fizestes isto comigo? Respondi-lhe. não recordo de nada. E este prontamente disse: Trafegavas por uma estrada totalmente embriagado e fostes ao encontro de um prédio, fiquei preso nas ferragens do carro e o resultado de tudo isto foi a am-putação de minhas pernas pelo qual vim a falecer.

Para mim já era o bastante, fechei meus olhos e fui transportado de volta ao meu corpo inerte em meu quarto, acordando sobressaltado, estava totalmente encharcado de suor, levantei-me para tomar um copo de água e comecei a meditar com tudo aquilo que me havia acontecido naquela noite.

Ao amanhecer fui ao pequeno cemitério da minha cidade para fazer algumas preces ao meu irmão falecido há mais de trinta anos a ao chegar observo que a tumba estava aberta. Procurei o responsável pelo trabalho no campo santo e este respondeu-me que não sabia de nada. A lápide na frente do túmulo havia sido apagada como por encanto e lá estava o meu nome com data de nascimento e morte. Sai dali assombrado. Onde estaria o corpo do meu irmão. Voltando para casa, noto que diversos amigos meus estavam a minha procura, pois algo estava a acontecer em minha residência. Ao entrar deparo-me com o meu irmão sorridente a olhar para mim e disse: vim para buscá-lo e terás de pagar pelo teu erro. Pensei estar sonhando, esfreguei meus olhos com as mãos e voltei a olhar, e lá estava meu irmão. Pegou-me pelas mãos e disse não te assustes pois logo estarás bem e num piscar de o-lhos fui transportado para dentro da tumba juntamente com meu irmão.

Tudo parecia um sonho, mas era realidade, estávamos os dois dentro daquele lugar úmido e frio, tentava gritar mas ninguém ouvia, o ar começava a faltar, meus pulmões procuravam em vão os últimos vestígios de oxigênio até que por fim desfaleci e minha alma foi levada para um lugar onde eu estava junto com outros a lamentar tudo o que haviam feito de ruim em suas vidas passadas. Mas faltava ainda o resgate de mais uma das minhas grandes faltas no mundo terreno. Logo pensei, não poderão fazer nada comigo agora que aqui me encontro e pagar por meus erros. Puro engano, fui retirado daquela fila sem fim e colocado em uma biga puxado por dois cavalos alados e levado de volta, na calada da noite, até minha pequena cidade e deixado em frente minha casa.

Ao voltar a realidade do nosso mundo, experimento as antigas sensações da minha verdadeira vida nesta terra, mas sempre com o pensamento em tudo que havia acontecido. Procuro em vão esquecer e algo me diz que não conseguirei, pois ainda falta o final.

Ao amanhecer, saio de casa para minha caminhada matinal, observo que a vida brota em tudo que vejo, as flores, os pássaros, o ser humano e, sem me preocupar, não percebo que um automóvel em grande velocidade, desgovernado vinha em minha direção, quando de repente fui jogado contra uma parede e prensado junto aos tijolos. Gritei desesperado, pois grande quantidade de sangue manchava o solo e minhas roupas, recordo que ao olhar para baixo não vi minhas pernas, fiquei ainda mais aflito e sem ajuda fui aos poucos perdendo a consciência, mas consegui ver pelo pára-brisa do carro que o motorista era a mesma pessoa que havia morrido por causa da minha imprudência.

Fui transportado depois de longo tempo ao hospital e, lá chegando, recordo que fui colocado em uma maca e aos poucos vi minha vida se esvaindo do meu corpo até que por fim alguém estendeu suas mãos e levantou-me, e pude observar que meu corpo já inerte não apresentava sinais de vida. Novamente senti algo estranho, como se estivesse viajando adormecido e sem dor. Quando acordei encontrei-me novamente naquela grande fila de espíritos a esperar algo que há muito não vêem, a eterna felicidade. Logo atrás de mim está o meu irmão tentando me consolar e, a minha frente, aquela pessoa sem pernas que perdeu a vida por causa da minha negligência.

Perguntei ao meu irmão por que ele se encontrava ali se a verdadeira culpa era minha, e este me responde: Não tive a firmeza, a coragem, a consciência de ajudá-lo quando você mais precisava e por isto terei de pagar por meu erro. Para o outro fiz a mesma pergunta e este me respondeu: não tive a humildade de perdoá-lo em meus últimos momentos de minha vida. Pensei, se estes foram seus erros o que será de mim que cometi erros maiores?

De tempos em tempos um espírito de luz passava pela fila e naqueles onde tocava sua mão direita as pessoas eram retiradas por outros espíritos e levadas a um grande templo de luz para uma primeira purificação. Quando este espírito passava por mim perguntei: Quando tocarás em mim? Este sem expressar sentimento de culpa, respondeu: Tudo em sua hora.
Meu irmão e aquele que havia atropelado já haviam sido retirados da fila há muito tempo. Que tempo perguntava a mim mesmo, se nem mesmo sabia há quanto estava ali?

Vi alguns amigos e parentes serem retirados da fila, e assim mesmo esta crescia cada vez mais. Passou-se uma eternidade até que um dia alguém chegou para mim e disse que meu lugar não era ali e sim no fim da fila. Esbravejei e tentei explicar que há muito esperava o grande espírito de luz e este me respondeu: somente para os que estão prontos ele virá e você continua o mesmo ou pior, e para estes tudo começa de novo.

Não sei se por piedade ou por felicidade um certo dia fui tocado pelo grande espírito e levado para o grande templo de luz. Lá chegando senti que meu corpo parecia queimar e ao mesmo tempo que queimava me purificava, até que fui retirado daquele lugar que tanto esperava, um pouco mais tranqüilo, deitaram-me em uma cama para descansar e adormeci. Depois de um longo sono, despertei e comecei a observar que algumas coisas estavam mudadas: as cores estavam mais vivas, não via só sofrimento e sim alegria nos semblantes das pessoas e estas caminhavam por tapetes coloridos e jardins que imanavam perfumes desconhecidos por mim, mas que me faziam bem, não sentia fome, dor, só um grande calor interno que me impelia para fora daquele lugar a ao sair vi um grande penhasco a me separar de tudo aquilo. Pensei em como poderia descer e uma alma caridosa respondeu-me joga-te e experimentarás a verdadeira força divina. Não hesitei e joguei-me, na queda comecei a ver a minha verdadeira vida passada como se fosse uma fita em grande velocidade, vi o bem e o mal cometidos por mim e uma pergunta me foi feita por outro es-pírito de luz:

Se queres a verdadeira vida terás de deixar que a queda seja a mais destruidora para teu corpo mas, se queres uma vida falsa terás teu corpo são e salvo? Como ainda não estava pronto para tudo aquilo escolhi o corpo são e salvo e, de pronto, fui projetado de volta ao nosso mundo cheio de pecado e dor, para começar tudo de novo, expurgar todos os meus antigos pecados, todos os meus pensamentos perversos, todos os meus erros contagiantes e por fim toda a minha vida de dor.

Aprendi algumas lições, pois o verdadeiro caminho para alcançar a felicidade é cheio de armadilhas e tentações. Nós homens, fracos por natureza, sempre escolhemos os meios mais fáceis. Não procuramos entregar-nos de corpo e alma aos mais necessitados, pois despendemos muito de nós e pensamos não mais recuperá-los. Mas a verdadeira recuperação é a entrega completa, mesmo que isto nos custe a vida e o sofrimento.

O verdadeiro espírito de luz é apaziguador e derrama amor, felicidade e graças por entre os homens, principalmente os de boa vontade, pois o verdadeiro amor de Deus está dentro de nós e, por incrível que pareça, não o conseguimos ver pois os nossos olhos estão vedados pela raiva, infortúnio, luxúria, desprezo, maldade, arrogância e por fim todos os males passados a nós pelos espíritos desprezados pelo superior.

Sejamos nós, autênticos sabedores, que o nosso livre arbítrio nos colocará nos degraus da sabedoria, do alcance da eterna felicidade, não nesta terra passageira, mas sim junto a aqueles que já estão nos degraus superiores da vida. Não deixemos que coisas pequenas interfiram em nosso dia a dia, mas só aqueles pequenos atos merecedores do nosso infinito amor fraterno. Deixai o que é ruim para os impuros, aconselhai sempre que possível, mostrai a verdadeira trilha a ser seguida.

Eu terei muito a pagar, mas procurarei ao máximo alcançar esta felicidade, pois sei que somente ela poderá satisfazer a minha alma, que no presente encontra-se fustigada pelo bem e pelo mal. Lutarei com todas as minhas forças e, quem sabe, até com minha própria vida, para ser quem sabe um dia um espírito de luz, não totalmente perfeito, mas com um pouco de luz para irradiar novos seres necessitados do amparo, nesta terra tão cheia de escuridão
Francisco Albano Boscatto
Enviado por Francisco Albano Boscatto em 08/02/2007
Alterado em 28/02/2007


Comentários

Site do Escritor criado por Recanto das Letras