03/10/2008 17h04
MEMÓRIAS DE UM NETO DE IMIGRANTES ITALIANOS...
A história da “Terra do Galo”
Os caxienses contavam que havia aparecido um mágico em Nova Trento, muito famoso em todo o Estado do Rio Grande do Sul, que se propôs a cortar a cabeça de um galo, com um cutelo e, após, por meios cabalísticos e empregando um líquido milagroso especial, a grudaria novamente no corpo do galináceo, fazendo-o caminhar pelo palco do teatro. Diziam, também, que o velho Cine-Teatro Pró-Trento estava repleto de gente no dia do espetáculo. Haviam pagado uma entrada caríssima, só para ver a façanha proposta pelo mágico.
Conforme contavam, o mágico colocou o galo sobre um cepo e chamou para o palco o Intendente Municipal e o Delegado de Polícia. Eles deveriam segurar o galo – um pela cabeça e o outro pelo restante do corpo. – e servir de testemunhas da veracidade do fato que iriam presenciar. Pegando o cutelo, bem afiado, o mágico cortou o pescoço do galo, separando a cabeça do corpo. A cabeça tinha ficado nas mãos do Intendente e o restante do corpo nas mãos do Delegado. Após fazer diversos rituais e gestos, acompanhados de sinais cabalísticos, o mágico pediu para que se retirasse do palco por alguns instantes, com a justificativa de que iria pegar o líquido milagroso especial. Logo em seguida, o mágico voltaria para grudar a cabeça no corpo do galináceo. Ao invés disto, ele saiu pela porta dos fundos do teatro e levou todo o dinheiro arrecadado com a venda das entradas. Fugiu com um cavalo bem veloz, deixando os espectadores presentes a esperá-lo, com cara de bobos.
A platéia e as testemunhas esperaram mais de 15 minutos, segundo contava o velho Pelizzari, por gozação. Ele era mantovano e amigo de meu avô materno, estabelecido com um hotel em Caxias do Sul. Antonio Maria Melara. Meu avô – também mantovano, proprietário do Hotel União, de Nova Trento -, em pé entre os espectadores, em dialeto mantovano, teria dito: “Cuel Gal li lé piú que mort, lé méi que mel dégui a mi quel pórti a cá, par far um bom brôd” (Este galo ali está mais que morto, é melhor dá-lo a mim, que o levo para casa, para fazer um bom caldo).
Para melhor compreensão dos que não entendem o italiano-mantovano, o “que”, escrito acima, deveria ser “che”, e a palavra “dégui” deveria ser escrito “deghi”, bem como a acentuação aposta, para pronunciar certo as palavras do dialeto mantovano.
Que o fato não é verdadeiro e que não acorreu é mais do que evidente, pois não me lembro deste acontecimento após a emancipação de Nova Trento. Já contava com 8 anos de idade, naquela época. Também mencionavam no fato a presença do Intendente e do Delegado, autoridades estas que só existiam em sedes municipais. A presença de meu avô, ainda, que faleceu muitos anos antes da emancipação, é mais um indício de que o caso é inverídico. Talvez tenha ocorrido antes da emancipação, quando Nova Trento era o segundo distrito de Caxias do Sul. Se for assim, as maiores autoridades que teriam segurado a cabeça e o corpo do galo seriam caxienses: o subintendente e o subdelegado, cargos de confiança do Intendente de Caxias.
O primeiro Intendente Municipal, Cap. Joaquim Mascarelo, e o primeiro Delegado de Polícia, Sr. Osário Belíssimo, deste município recém emancipado, eram políticos argutos e pessoas austeras. Impunham respeito. E eles possuíam esclarecimento suficiente para recusar a proposta do pretenso e desconhecido mágico. Além do mais, uma autoridade que se preze não subiria ao palco para prestar tão humilhante serviço, especialmente na presença de seus concidadãos.
Tudo leva a crer que a estória do galo é inverídica e, conforme contavam os mais antigos, foi engenhosamente inventada por um determinado grupo de caxienses, sendo publicada num “jornaleco” semanário de Caxias, denominado “Tagarella”. Deve ter sido por puro despeito e inconformação pela perda de seu melhor distrito. Com a emancipação de Nova Trento, Caxias perdeu grande parte do território e, inclusive, o distrito de Nova Pádua, o melhor produtor de gêneros alimentícios.
Por muitos anos, a população de Nova Trento ficava ofendida, revoltada e irritada quando alguém mencionava a estória do galo ou cantava como o faz o mencionado galináceo. Alguns iam às brigas de fato, porém, com o correr do tempo e o esclarecimento havido, a população se deu conta de que não adiantava protestar contra aquela invenção, que já era tida como certa e verdadeira. Como a vida lhes havia oferecido um limão, a melhor maneira seria transformá-lo numa gostosa limonada. Foi o que fizeram. Adotaram o galo como símbolo de nossa cidade. E o que realmente aconteceu, com grande êxito, foi que o galo tornou o município conhecido por todo o Brasil e exterior. Mostrou a nossa bela, limpa, aconchegante e gostosa “URBS”, lugar ideal para se morar.
Nos dias hodiernos, aceitamos esta estória como verdadeira, para não prejudicar o mito que muito nos ajudou. Diante do progresso atual, sentimos orgulho de termos nascido na bendita “TERRA DO GALO”.
Publicado por Francisco Albano Boscatto em 03/10/2008 às 17h04
09/03/2008 22h36
MEMÓRIAS DE UM NETO DE IMIGRANTES ITALIANOS...
A opinião dos padres sobre os bailes No interior do município, os bailes se realizavam geralmente nas bodegas, até fim da década de 30. Naquele tempo, esses bares não tinham vínculo – de propriedade - com as Capelas, pois pertenciam a particulares. Os melhores bailes do interior se realizavam na localidade denominada Linha Oitenta, na bodega que pertencia ao Sr. Stuani. No povoado, até 1915, os bailes realizavam-se nos bodegões ou em hotéis. Após esta data, aconteciam no prédio onde funcionava o Cinema Pró-Trento, até o início da década de 50, quando foi construído o Clube Independente, Daí em diante, passaram a realizar-se no Independente e, posteriormente, também no Clube São Luiz. Os padres primitivos reprovavam com veemência os bailes, inclusive do púlpito, nos sermões das missas dos domingos. Só faltava eles apontarem os nomes dos dançarinos. No ‘Tribunal da Inquisição’ formado por eles, os que dançavam na ‘quaresma’ eram até ameaçados de excomunhão. Houve um caso que fez lembrar a ‘Santa Inquisição da Idade das Trevas’. Um padre coadjutor adquiriu, de um bom instrumentista uma gaita-ponto – por um preço bastante elevado – e conclamou todas as crianças que freqüentavam a escola de catecismo, aos domingos, para comparecerem munidos de lenha. Ele tramava fazer uma grande fogueira, colocando sobre ela a gaita-ponto adquirida – se os tempos fossem outros, colocariam nela o gaiteiro sacrílego. Quando tudo estava pronto, atearam fogo na lenha e, entoando hinos religiosos, assistiram a consumação do ‘instrumento maligno’. Cena inquisitória igual – também com fogueira e cânticos religiosos entoados pelas crianças do catecismo – foi feita com a queima dos livros da Biblioteca Pública Municipal. Os livros caíram no ‘índex’ do mencionado padre coadjutor, que, por considerá-los indecorosos, efetivou a queima. Eram obras de valor elevadíssimo, de profunda psiquiatria e psicologia da época, escritos por autores de fama internacional. Havia, inclusive, todas as obras de Endel e do pai da psicanálise, Freud. E tudo ocorreu com o assentimento do então Prefeito Municipal.
Publicado por Francisco Albano Boscatto em 09/03/2008 às 22h36
23/02/2008 23h37
MEMÓRIAS DE UM NETO DE IMIGRANTES ITALIANOS...
Os noivados até o princípio do século Até a metade da década de 20, os noivados eram tidos quase como um casamento. Havia um vínculo indestrutível assumido pelos noivos, porém, sem os direitos permitidos pelo casamento. As famílias comemoravam os noivados com uma solenidade muito simples, geralmente na casa da noiva, num domingo à tarde. Isto acontecia na presença dos progenitores dos noivos, quando, então, o pai do noivo anunciava a vontade dos namorados de contraírem núpcias. Na oportunidade, ocorria o pedido da mão da noiva e havia a entrega recíproca das alianças. Estas, geralmente, eram de ouro 18 quilates, de quase um centímetro de largura, por três milímetros de espessura. Em seguida, ofereciam uma refeição simples, constante de café, biscoitos, queijo, salame e pão. Nestas ocasiões, havia sempre a presença de um avaliador, geralmente um alfaiate ou comerciante, convidado com o objetivo de avaliar o enxoval da noiva. Tudo era anotado, peça por peça e o seu respectivo preço, o que denominavam – em italiano – de ‘stimar la dotta’, ou seja, estimar o enxoval. Isto acontecia para que as irmãs da noiva, por ocasião de seus noivados, recebessem o mesmo tipo de enxoval. As filhas mulheres só recebiam dos pais, o enxoval e uma máquina de costura manual. Em algumas regiões da Itália, havia o costume do próprio noivo pedir a mão da noiva aos seus pais, o que também foi adotado aqui. A outra opção era a que foi relatada anteriormente. Estes sistemas perduraram até fins da década de 40. Geralmente, quando acontecia de ser desfeito o noivado, o povo punha em dúvida a honestidade e a virgindade da noiva. Alegavam que o noivo tinha-se aproveitado dela e, por não encontrá-la virgem, havia desfeito o noivado. Esta ficava numa situação muito pior do que a mulher desquitada daquela época. Quando acontecia o contrário, nos casos em que a moça encontrava um parceiro impotente mesmo antes de casar, a noiva não podia falar, porque ninguém acreditava nela. Desta forma, as mulheres levavam sempre a pior. Por isso, muitos casamentos foram pontilhados de infelicidades e, apesar dos desejos da mulher não eram satisfeitos, ela ainda tinha que se manter fiel ao marido, suportando sua impotência, em virtude do juramento feito.
Publicado por Francisco Albano Boscatto em 23/02/2008 às 23h37
23/02/2008 22h59
MEMÓRIAS DE UM NETO DE IMIGRANTES ITALIANOS...
Os namoros até o princípio do século Até o princípio do século, os namoros geralmente eram ajustados pelos pais dos futuros namorados, que passavam a sofrer insinuações dos progenitores de ambos os lados. Para as filhas, especialmente quando eram bonitas, alegavam certas vantagens financeiras do noivo, a qual poderia usufruir. E assim acontece também hoje em dia, com os mais atrasados. Os namorados, então, começavam a se olhar com um vago sorriso, ambos já sabendo do conchavo dos pais. Desta forma, iam chegando muito timidamente um para o outro, entabulando a primeira conversa entre si, geralmente sobre interesses financeiros. Alguns poucos, porém – os mais afoitos -, não queriam a intervenção paterna em seus namoros e tinham a iniciativa própria, sem levarem em conta os interesses financeiros. Contrariando a vontade dos pais, foram os mais felizes. Os sentimentos amorosos – um pelo outro –demonstrados através de olhares de moços e moças, nas diversas épocas, receberam as denominações seguintes: De 1900 até 1928, a troca de olhares era denominada ‘foguetear’, ou seja, fulano está de ‘foguete’ com beltrana: de 1929 até 1950, a troca de olhares entre namorados era denominada ‘linhar’, ou seja, fulano e beltrana estão de ‘linha’, ou, ‘linhando’; de 1951, aproximadamente, até 1969, os olhares entre os namorados denominavam-se ‘flertar’, ou seja, fulana está de ‘flerte’, ou ‘flertando’ com beltrano e, finalmente, de 1970 até os dias atuais, a mencionada troca de olhares entre moços e moças é denominada de ‘paquera’, ou seja, fulano está de ‘paquera’, ou ‘paquerando’ beltrana. Isto não vai durar muito, porque os mais moços, com toda a certeza, vão mudar a designação, achando a ‘paquera’ muito antiquada e arcaica. Assim fez minha geração com o ‘foguetear’, passando para ‘linhar’. O beijo, na presença dos familiares da namorada, estava estritamente proibido. Era tido como grande ofensa à família da moça, porém, raramente isto acontecia. Os mais atrevidos, no entanto, quando conseguiam um pequeno espaço de tempo para ficarem a sós – sem os fiscais da família – roubavam algum beijo. Nem mesmo o beijo nupcial, que há duas décadas – mais ou menos – é dado após a cerimônia do casamento religioso tinha permissão. Os padres o achavam indecoroso dentro da igreja, e nem fora dela isto acontecia. Ele somente ocorria no ‘enfim sós’... Os namorados eram sempre fiscalizados, disfarçadamente, por um membro da família da moça. Os beijos, roubados se davam somente quando o encarregado da fiscalização se descuidava ou ia até a cozinha buscar alguma bebida ou doces para os namorados. Até mesmo nos passeios pela praça, ou em festas de igreja, os namorados eram sempre acompanhados por um membro da família. Também no cinema isto acontecia. O acompanhante, então, não tirava os olhos de cima das mãos dos namorados. As moças usavam calcinhas bastante compridas e com um elástico bem apertado nas aberturas, aonde iam às pernas, para evitar a bolinagem, muito em voga atualmente. Por incrível que pareça, hoje em dia acontecem menos descalabros sexuais do que outrora. Talvez seja porque o que é proibido torna-se mais atraente e desejado, como ficou sobejamente provado com a proibição feita por Deus no ‘paraíso terrestre’. No interior do município, o namorado visitava a namorada somente aos domingos, ou no dia de festa do padroeiro do local. Quando morava longe, nunca pernoitava na casa da pretendida, porque achavam que não ficava bem, e o povo poderia falar da honra da moça. Por isso, o namorado pernoitava numa pensão ou num hotel que havia nos travessões, pernoitava em casa de algum parente da namorada, o qual era reembolsado das despesas pelo pai desta. Na vila – após cidade de Nova Trento ou Flores da Cunha -, o namorado visitava a namorada na quarta-feira e nos sábados, à noite, das 20h às 22h30min. Ia também aos domingos, toda a tarde e após o jantar, no mesmo horário noturno citado. Publicado por Francisco Albano Boscatto em 23/02/2008 às 22h59
17/02/2008 16h53
MEMÓRIAS DE UM NETO DE IMIGRANTES ITALIANOS...
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A vida dos imigrantes nos primeiros tempos, após a chegada, não foi nada agradável. Eles tinham que trabalhar muito e não possuíam respaldo nenhum, do governo, para tirarem o sustento da terra. Viviam em choças improvisadas, sem recursos médicos, tendo que ir a pé até o Campo dos Bugres, onde havia um pequeno comércio improvisado. Iam adquirir o que lhes era mais premente, ou também carregavam cereais para serem moídos, trazendo de volta, às costas, a farinha resultante da moagem. Meu avô materno contava que, para ele e sua família, os primeiros tempos foram muito duros. Isto até as primeiras colheitas e a construção da primeira cabana. Entretanto, para avô paterno, que era alfaiate, os primeiros tempos foram mais amenos, pois ele contratava o trabalho dos vizinhos, em troca de confecção de roupas, que eram costuradas a mão, porque não possuía máquina de costura. No inverno, comiam muito pinhão – fruto da araucária (pinheiro) -, que denominavam “castagne brasiliane” (castanhas brasileiras), assadas em brasas ou cozidas na água.
Nos primeiros tempos, os imigrantes plantavam muito milho e trigo; posteriormente partiram para o cultivo da parreira e a fabricação de vinhos. Para a produção do vinho, a uva era esmagada com os pés, numa esmagadeira superposta a uma tina, ou em outro recipiente similar. Eu mesmo – ainda menino – esmaguei uva com os pés para a produção de vinho. As primeiras hortaliças cultivadas eram os “radicci” (espécie de chicória), repolhos e feijão branco; posteriormente, investiram também em plantar ervilhas, couve-flor e outras. Com a caça, conseguiam carne de aves silvestres e de macacos, que faziam parte das refeições diárias dos imigrantes, juntamente com frutas silvestres, entre elas o pinhão assado ou cozido na água. Alguns imigrantes com tino comercial, e que também eram tropeiros, adquiriam as colheitas de cereais e outros produtos dos demais, transportando-os dentro de bruacas de couro cru – carregadas por animais muares – até São Sebastião do Caí, onde eram vendidos a comerciantes alemães. Com este negócio, obtinham boa margem de lucro e um bom ágio, uma vez que o pagamento aos colonos vendedores acontecia somente após o retorno da viagem. Geralmente, o acerto era feito com mercadorias adquiridas com comerciantes alemães, antecipadamente encomendadas pelos colonos. Assim, eles voltavam com as bruacas cheias e tendo lucro dobrado. Alguns anos após, os tropeiros converteram-se em fortes comerciantes, estabelecidos com lojas de grande sortimento de mercadorias e utilidades. Quando os colonos conseguiam juntar algum dinheiro – o que não era comum – eles o emprestavam aos tropeiros, ou aos pequenos comerciantes, sem juros, pois não havia inflação naquela época. Houve casos em que alguns comerciantes, que possuíam cofres, cobravam uma pequena taxa para guardar o dinheiro. ---ooo--- Publicado por Francisco Albano Boscatto em 17/02/2008 às 16h53
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