Francisco Albano Boscatto

"Há duas coisas infinitas: o Universo e a tolice dos homens."

Meu Diário
09/03/2008 22h36
MEMÓRIAS DE UM NETO DE IMIGRANTES ITALIANOS...

A opinião dos padres sobre os bailes
 

            No interior do município, os bailes se realizavam geralmente nas bodegas, até fim da década de 30. Naquele tempo, esses bares não tinham vínculo – de propriedade - com as Capelas, pois pertenciam a particulares. Os melhores bailes do interior se realizavam na localidade denominada Linha Oitenta, na bodega que pertencia ao Sr. Stuani.

            No povoado, até 1915, os bailes realizavam-se nos bodegões ou em hotéis. Após esta data, aconteciam no prédio onde funcionava o Cinema Pró-Trento, até o início da década de 50, quando foi construído o Clube Independente, Daí em diante, passaram a realizar-se no Independente e, posteriormente, também no Clube São Luiz.


            Os padres primitivos reprovavam com veemência os bailes, inclusive do púlpito, nos sermões das missas dos domingos. Só faltava eles apontarem os nomes dos dançarinos. No ‘Tribunal da Inquisição’ formado por eles, os que dançavam na ‘quaresma’ eram até ameaçados de excomunhão.

 

            Houve um caso que fez lembrar a ‘Santa Inquisição da Idade das Trevas’. Um padre coadjutor adquiriu, de um bom instrumentista uma gaita-ponto – por um preço bastante elevado – e conclamou todas as crianças que freqüentavam a escola de catecismo, aos domingos, para comparecerem munidos de lenha. Ele tramava fazer uma grande fogueira, colocando sobre ela a gaita-ponto adquirida – se os tempos fossem outros, colocariam nela o gaiteiro sacrílego. Quando tudo estava pronto, atearam fogo na lenha e, entoando hinos religiosos, assistiram a consumação do ‘instrumento maligno’.

 

            Cena inquisitória igual – também com fogueira e cânticos religiosos entoados pelas crianças do catecismo – foi feita com a queima dos livros da Biblioteca Pública Municipal. Os livros caíram no ‘índex’ do mencionado padre coadjutor, que, por considerá-los indecorosos, efetivou a queima. Eram obras  de valor elevadíssimo, de profunda psiquiatria e psicologia da época, escritos por autores de fama internacional. Havia, inclusive, todas as obras de Endel e do pai da psicanálise, Freud. E tudo ocorreu com o assentimento do então Prefeito Municipal.

 
            Naquele dia chorei, consciente da minha impotência para impedir  a queima de tão preciosos livros. Chorei, também por fazer parte de uma comunidade quase que totalmente composta por ignorantes. Nisto incluíam-se os então vereadores, dentre eles, um a quem eu votei. Com medo dos castigos do céu e da futura oposição do padre, nada fizeram para impedir tamanho descalabro. Privaram nossos filhos e netos de manusearem muitas boas obras, quase inexistentes em nossa época; várias delas, de autores ilustríssimos. Nós e nossos descendentes perdemos com isso. Aqueles livros poderiam nos fornecer grandes conhecimentos.


Publicado por Francisco Albano Boscatto em 09/03/2008 às 22h36

Site do Escritor criado por Recanto das Letras